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segunda-feira, 9 de maio de 2011

Jacqueline Sinhoretto nos fala sobre o sistema de justiça criminal brasileiro.

Jacqueline Sinhoretto
 
São Carlos (SP)
 
professora adjunta da Universidade Federal de São Carlos / Departamento de Sociologia. Tem experiência em Sociologia da Administração da justiça e Sociologia da Violência, atuando principalmente nos seguintes temas: administração institucional de conflitos, acesso à justiça, violência, segurança pública, sistema de justiça.

Jacqueline Sinhoretto nos fala sobre o sistema de justiça criminal brasileiro. 

Seu novo livro entitulado "A justiça perto do povo: reforma e gestão de conflitos"   publicado pela editora Alameda, tem previsão de lançamento para este ano.
Sobre o que fala seu novo livro?
O livro é o resultado da pesquisa que conduzi para o doutorado em sociologia sobre os Centros de Integração da Cidadania - CIC e que me permitiu conduzir uma análise do campo estatal de administração de conflitos, em suas peculiaridades nacionais
Desde quando a senhora trabalha com administração de conflitos?
Foi essa pesquisa de doutorado que me deu oportunidade para dar um salto referente às minhas pesquisas sobre administração de conflitos. Usualmente, as pesquisas sobre o sistema de justiça se atêm às divisões institucionais internas do sistema. É difícil encontrar trabalhos que analisem transversalmente a questão. Eu tive a oportunidade de analisar o CIC, que é usualmente localizado em periferias, onde diversas instituições pertencentes ao campo da justiça atendem ao mesmo tempo: polícia civil, polícia militar, promotoria, juizado e a mediação alternativa dos conflitos. Por ter a oportunidade de observar este cenário, ficou evidente a riqueza de estudar estas instituições levando em consideração que elas estão disputando os mesmos “clientes”, digamos assim, já que estas atraem determinados tipos de pessoas e de conflitos, assim como dispensam outros tipos de clientes nos quais as instituições não têm interesse. A experiência do CIC, por mais que não impacte o sistema de justiça como um todo, trouxe à pesquisa a possibilidade de verificar o trânsito e as fronteiras entre os conflitos e seus atores pelo sistema de justiça. 
 
E o que seu estudo, que atuou de forma transversal, pôde concluir?
Esta situação nos mostra que algumas instituições conseguem, mais do que outras, delimitar seu campo de atuação, se preservando melhor de tratar demandas de difícil codificação jurídica. Por exemplo, o judiciário não realiza atendimento ao público, as demandas que ingressam são sempre já codificadas e selecionadas segundo o tipo de demanda que pode ser atendida. Por outro lado, a polícia consegue selecionar muito pouco os seus “clientes”, já que, a todo momento, as pessoas estão solicitando ajuda a esta instituição, e em diversas vezes pedem ajuda em questões que a polícia não pode ou não está preparada par atuar. Muitas vezes, os policiais realizam um trabalho de triagem e encaminhamento a outras instituições, ou seja, precisam lançar mão de um saber próprio para indicar a melhor instituição para aquela determinada demanda, e este tipo de surpresa não ocorre para o juiz. Porém, em grande número de demandas, a polícia procura administrar o conflito por vias informais, de maneira que boa parte do seu trabalho é dedicada a atendimentos e procedimentos que não possuem amparo legal e nem registro oficial, mas responde a uma demanda concreta de cidadãos que a procuram. 
 
E essa “falta de triagem” da instituição policial prejudica o trabalho dos policiais?
Este é um dos motivos pelo qual se critica a atuação dos policiais, já que eles têm poucos mecanismos institucionais de proteção das demandas indesejadas, e isso pode prejudicar o atendimento satisfatório a todas as pessoas que os procuram. Além disso, há aquelas pessoas que procuram o trabalho da polícia visando um tratamento informal do conflito. A ilegalidade e a informalidade, em certos casos, são propostos pelos próprios usuários do serviço, que querem administrar conflitos fora da justiça, e buscam o aparato policial com a intenção de dar um “susto” na pessoa com quem está vivendo determinada tensão. É uma cultura jurídica que não pode ser encarada apenas como um defeito do sistema, como exceção, mas como um padrão, já que muitos pensam a polícia como um braço do Estado autorizado a resolver conflitos através da violência ilegal. Há no trabalho informal de administrar conflitos que a polícia realiza todos os dias – embora isto não esteja codificado e descrito como sua função institucional – a administração simultânea de dois monopólios constitutivos do campo jurídico no Brasil: o monopólio clássico que é o da administração legítima da violência e o monopólio estatal de “direito a dizer o direito”. Ou seja, no Brasil, a polícia atua largamente como instância socialmente reconhecida de administração de conflitos, disputando espaço com as demais instâncias estatais de justiça. Porém, como essa atuação não é legalmente balizada e codificada, o saber e as categorias que orientam a ação da polícia na administração dos conflitos quase nada tem a ver com a lei, os direitos fundamentais dos indivíduos definidos na Constituição. Por isso, eu passei a chamar a atenção para a complexidade existente no campo estatal de administração de conflitos no Brasil, onde o direito estatal não é apenas aplicado, mas constantemente posto à prova, discutido, construído e destituído. Dito de uma forma mais simplificada: quando muitas pessoas procuram na polícia a ajuda para resolver seus conflitos, elas estão legitimando o Estado como a melhor via para isso; porém, ao procurarem o Estado, nem sempre elas encontrarão a administração de seus conflitos pela via do direito, nem sempre encontrarão as categorias da cidadania operando as soluções obtidas. E me parece que esta questão, própria da experiência brasileira, torna nebulosa toda a discussão sobre formas alternativas de administração de conflitos no âmbito estatal, como a mediação, por exemplo. Pois, historicamente, o “alternativo” sempre existiu dentro do oficial e acaba colonizando as experiências inovadoras com um saber-fazer tradicional que não está informado pelas categorias da cidadania, da igualdade. 
 
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http://www2.forumseguranca.org.br/content/entrevista-do-m%C3%AAs